Educação
Brasil entre Gana e Coréia
O
desafio de repetir a
incrível experiência
da Coréia do Sul, que reconstruiu um país
com base na educação

Monica
Weinberg
No
começo dos anos 60, o Banco Mundial realizou um estudo abrangendo vários
países pobres para avaliar as chances que cada um tinha de se
desenvolver. Marcada por uma história de invasões e arrasada por uma
guerra recém-terminada, a Coréia do Sul foi incluída e acabou
catalogada entre os países que enfrentavam dificuldades especiais para
prosperar. Com a economia destruída, o padrão de vida dos coreanos
assemelhava-se ao dos africanos de Gana, outro país que entrou no
estudo e ficou em colocação ruim. Ambos se situaram no patamar de
renda per capita da ordem de 900 dólares. O Brasil se destacava no
grupo e acabou apontado como um país de futuro promissor. Tinha renda
per capita de 1 800 dólares, dispunha de recursos naturais abundantes,
um parque industrial em expansão e de universidades. Todas as contas
referentes aos países foram feitas com o dólar PPP, iniciais de purchasing
power parity, ou paridade de poder de compra. O PPP é uma moeda
estatística adequada para comparar realidades distintas. Ele considera
que 1 dólar não compra a mesma coisa em todos os lugares. Era esse o
prognóstico de quarenta anos atrás, que a realidade não confirmou.
Confira no gráfico, onde os dados também estão expressos em dólar
PPP.
Para
infelicidade dos brasileiros, as previsões do Banco Mundial não se
confirmaram e a corrida acabou sendo vencida pela Coréia. Entre 1960 e
1980, a renda per capita coreana alcançou a do Brasil. E nos últimos
vinte anos, período em que a economia brasileira patinou, os asiáticos
deram um novo salto e dispararam na dianteira. Se no ponto de partida o
Brasil tinha renda per capita equivalente ao dobro da renda em Gana e na
Coréia, agora os papéis se inverteram. Somem-se as rendas per capita
do Brasil (7.200 dólares PPP) e de Gana (2.000 dólares PPP). A atual
renda per capita da Coréia equivale a quase o dobro desse valor. A
comparação da trajetória econômica entre as economias de Gana e Coréia
foi apresentada no Brasil pela primeira vez no ano passado, durante o fórum
anual de debates sobre o Brasil organizado pelo ex-ministro João Paulo
dos Reis Velloso. O autor do trabalho é Carl Dahlman, economista do
Banco Mundial. Vários estudos já foram encomendados para investigar as
razões do sucesso coreano e quase todos chegaram a conclusões
semelhantes no que diz respeito a um ponto: o investimento pesado e
constante em educação foi decisivo para a prosperidade do país.
Como
resultado, a população jovem da Coréia apresenta atualmente uma das
taxas de escolarização mais altas do mundo. O efeito da educação
ajudou a impulsionar a economia coreana. Em 2000, enquanto o Brasil
exportou 55 bilhões de dólares, o total das exportações coreanas
alcançou 172 bilhões de dólares. Detalhe: mais da metade da exportação
brasileira é composta de commodities produtos como açúcar, café,
soja e aço, cujos preços são definidos por tabelas internacionais. No
caso coreano, 91% das exportações são formadas por manufaturados,
produtos com maior valor agregado.
O
Brasil não ficou parado na corrida da educação. A taxa de
analfabetismo caiu, praticamente todas as crianças estão matriculadas
no ensino fundamental e o número de estudantes no ensino superior
subiu. Para muitos estudiosos, tais avanços garantiram a sobrevivência
do Brasil no mundo globalizado, mas há que se mudar a forma de agir.
Dados da Unesco mostram que o Brasil se encontra em desvantagem em relação
a quase todos os países no que diz respeito à forma como são feitos
os gastos em educação. Comparando-se o investimento per capita no
ensino fundamental, Argentina e Chile aplicam praticamente o dobro que o
Brasil. A Coréia aloca quase quatro vezes mais dinheiro. Nos Estados
Unidos, a quantia é sete vezes maior. Os especialistas apontam ainda
uma enorme desproporção entre os gastos com o ensino superior e os com
o ensino fundamental. No Brasil, o volume de recursos destinado à formação
de um estudante universitário é dezessete vezes maior do que o que se
gasta com uma criança nas primeiras séries do ensino fundamental. Na
Coréia, a relação é de dois para um.
A
trajetória da educação no Brasil não escapou daquilo que a política
brasileira tem de pior. Quando os governantes são substituídos, os
projetos das gestões anteriores acabam abandonados. Em todos os ramos
em que o governo atua, a falta de continuidade produz estragos. Mas a
educação é seguramente a área de governo mais sensível a mudanças.
Um universitário que se formará neste ano ingressou no ensino
fundamental durante o governo José Sarney. Ou seja, esse estudante
conheceu cinco presidentes até agora. E o que aconteceu nesse período
no Ministério da Educação? Foram dez titulares, detentores de dez políticas
educacionais diferentes. O problema da continuidade se agrava quando se
leva em conta que a responsabilidade pela educação no Brasil é
dividida pela União, pelos Estados e pelos municípios. Além do
ministro, há 27 secretários estaduais e milhares de secretários com
idéias próprias sobre o tema.
Essa
pulverização tornou o Brasil um terreno fértil para experimentos
educacionais. Muitos acabaram conhecidos por siglas, como os Ciacs do
presidente Collor, os Caics de Itamar Franco e os Cieps de Leonel
Brizola. Todos se baseavam na construção de escola-modelo, com quadras
de esportes e áreas de recreação. Em comum esses projetos não
vingaram. Nas últimas semanas, a prefeita Marta Suplicy inaugurou em São
Paulo a primeira de uma série de escolas chamadas de CEU, cuja sigla
sugere ser o contrário de inferno, mas quer dizer Centro Educacional
Unificado. Como os Ciacs, os Caics e os Cieps, os centros de Marta
Suplicy oferecem uma notável infra-estrutura aos alunos, com piscina,
teatro, laboratório de informática e quadras esportivas. Do ponto de
vista pedagógico, as escolonas são ótimas para os felizardos que se
matriculam nelas. Do ponto de vista econômico, no entanto, cabe uma
discussão. Cada um dos escolões da prefeitura paulistana vai custar
cerca de 16 milhões de reais e tem capacidade para 2 400 alunos. Com o
mesmo dinheiro daria para matricular o dobro de alunos em colégios
convencionais. Em São Paulo ainda há 49.000 crianças estudando em
escolas que funcionam em contêineres. Elas são um forno no verão e um
gelo no inverno.
Em
um artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, o ministro da
Educação, Cristovam Buarque, comentou a estratégia de alguns países
que superaram o desafio de montar um sistema educacional de qualidade,
entre eles a Coréia, a Irlanda e a Espanha. Buarque constatou que todos
conseguiram celebrar uma espécie de pacto nacional pela educação a
fim de garantir a continuidade dos investimentos por vários governos,
algo como trinta anos. Esse é um ponto crucial, que precisa ser
enfrentado no Brasil. "E se todos nos conscientizarmos disso",
diz o ministro Cristovam Buarque, "ainda assim levaremos uma geração
para fazer o Brasil avançar quanto precisamos."
Revista
Veja - Editora Abril - Agosto de 2003
Artigo
Selecionado pelo Professor Dr. Elbio Jorge Caramielo
|