Somos
todos maus leitores
Vicente Martins
Os resultados do
Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), deste ano, são conclusivos e
preocupantes: a escola de educação básica, pública ou privada, no
Brasil, é uma fábrica de maus leitores. Falta aos jovens o domínio
da leitura compreensiva, isto é, ler e entender o que lê. Tarefa básica
da escola, mas difícil de ser apreendida pelo aluno. A leitura é uma
habilidade complexa.
Os dados do Enem
2002 demonstram que a maioria dos participantes fracassa na hora de
ler e responder objetivamente as questões de múltipla escolha e não
apresentam, também, boa argumentação na hora de redigir sobre temas
da atualidade como o direito de votar.
Por que os
jovens alunos fracassam? O primeiro ponto a considerar é o seguinte:
a concepção de leitura gerada no meio escolar tem sido nefasta para
o aprendizado das habilidades lingüísticas (ler, escrever, falar,
escutar e entender).
A escola tem
concebido a leitura como um simples ato de ler, isto é, de
decodificar o sistema lingüístico, ora soletrando vogais e
consoantes ora reconhecendo as letras como signos gráficos, como
ocorre na educação infantil.
O aprendizado da
leitura, porém, se efetiva, no ensino fundamental e no ensino médio,
somente com a compreensão leitora. Há, realmente, leitura, quando o
aluno lê o texto e dá sentido ao texto lido.
Sem que tenham a
leitura compreensiva, os jovens brasileiros, na sua maioria,
limitam-se, na hora do exame nacional, a fazer uma leitura superficial
e fragmentada do enunciado das questões, o que explica a opção por
alternativas de resposta dissociadas do contexto da questão e escolha
de afirmações e argumentos contraditórios e mutuamente excludentes.
Apesar das cinco
edições do Enem, da divulgação de resultados pedagogicamente
catastróficos e vergonhosos para todos que fazem o aparelho escolar,
indicando e denunciando baixos níveis de leitura e escrita, a escola
brasileira insiste em marcar passo: preocupa-se cada vez
mais, de forma iníqua, com a propaganda de seus belos e suntuosos prédios,
sua infra-estrutura e, o mais grave, suas propostas pedagógicas e
seus professores voltam-se exclusivamente para o domínio de gramática
e escrita ortográfica.
Os alunos,
realmente escrevem o que a escola quer, mas pouco deles, especialmente
os jovens do ensino médio, compreendem o que mundo da leitura requer
das pessoas com o olhar crítico e argumentativo sobre os grandes
temas da vida em sociedade e da contemporaneidade. Os dados do Enem
2002 revelam, portanto, o quanto nossa escola está na contramão dos
ideais da sociedade letrada. É uma exigência da sociedade informática
a leitura compreensiva, fundamental para o desenvolvimento humano dos
jovens, seu exercício de cidadania e qualificação para o mundo do
trabalho.
Publicada em
11/02/2003
Vicente
Martins - Professor de Lingüística da UVA com mestrado em educação
pela UFC